ENSAIO SOBRE MIM, OU SOBRE VOCÊ
O que você é quando só tem você como platéia? Você é inteiro, verdadeiro? Como diz Cazuza, chora e fede como todo mundo?
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Eu canto num canto sozinha. Eu sozinha me jogo num canto da calçada e me junto a desconhecidos que cantam palavras encantadoras. Enquanto você dorme, eu ando a praia inteira, enquanto você passa, eu paro e olho a flor.Eu faço tudo ao mesmo tempo, ocupo meus dias inteiros em correrias inacabáveis, ao mesmo tempo em que sento numa praça e fico horas a fio apenas a observar. Eu abraço – conhecidos ou estranhos. Mas abraço mesmo. Não venha me envolver com braços fracos e espaços entre o peito, que colo meu coração no teu e te aperto até ficar sem ar. Mas só aperto em abraços – eu gosto de espaço. Do espaço. Não gosto do sufoco, só se for aquele causado pelos nossos lábios que de tão colados nos faz ficar sem ar. Eu dou risada no meio de gente séria. Eu consigo ficar séria se for preciso. Luto com unhas e dentes por aquilo e aqueles que amo. Não consigo ouvir uma baboseira e ficar quieta, falo demais até. Não me calo, não suporto calo, prefiro estar descalça. Eu choro e não fico bonita chorando, meus olhos apertam e meu nariz escorre, a voz falha e eu disfarço não. Eu nunca sei disfarçar: você saberá quando minto, quando sinto e quando deixo de sentir. Você tem que me deixar ir, sempre ir, porque eu volto. Mas não me obrigue. Não gosto de ser obrigada a nada. Gosto de dançar ouvindo as músicas que vem da minha cabeça quando para você há só silêncio. Eu tropeço, ralo os joelhos, me sujo na lama, me enrolo pra sair da cama. Eu como. Como pra caralho. Ops. Eu falo palavrão. Eu acho foda que você não fale, quando só há palavrão para expressar o que se sente. Eu acho foda que você não fale: não sou dada a desvendar silêncios e só gosto de jogo se for no vídeo-game. Eu faço sexo. Eu faço amor. Eu faço o que eu quiser – dispo-me ou me cubro, insisto ou descubro, partilho ou escolho a partida. Eu amo. E amo de novo. E de novo. Estou sempre amando, amor é movimento – não o deixe estagnado. Eu fico bastante tempo no banho, eu tomo banho rápido, eu fico sem banho num sábado preguiçoso de inverno. Eu lavo a louça depois. Melhor, eu nunca lavo. Eu odeio lavar a louça.
Eu sou isso. Aquilo que ninguém vê. Eu não sou um número, um ano de nascimento, mais uma foda ou alguém que você tire proveito. Eu sou inteira, eu me aprofundo, eu me jogo e ás vezes bato a cabeça no raso. Mas me jogo de novo. E mais uma vez. Estou sempre me jogando. Eu sou culta, mas também sou puta – se é assim que você gosta de classificar alguém livre. Não sou santa. Eu minto. Sinto ciúmes. Tenho raiva, inveja até, mas eu tento entender porque sinto essas coisas, para resolver. Eu sei que viver ultrapassa qualquer entendimento, como dizia a Lis (pector, para os mão íntimos). Ah, eu erro. Sempre tenho o que aprender e nunca saberei tudo, mas quero saber tudo o que eu puder. Eu sou você. Ou aquela moça sentada no banco, aquele rapaz que passou correndo, aquele senhor na rua que você nem está vendo, aquela mãe que lamenta num pranto. Eu sou aquele que muita gente jamais conhecerá, que muita gente só supõe, afinal das contas é tão difícil que as pessoas queiram entrar a fundo de nós. Ninguém se interessa. Minto – alguns sim, são eles tudo isso também. São poucos, são loucos, são depravados, mal acabados. Mas, assim como eu, são feitos desses atos insanos de amor. Amor e humanidade, não há nada mais humano do que ser. E você, quem é? E o que deseja parecer? PARE.
VÁ. SER.
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